terça-feira, 13 de abril de 2010

Bórgia 2: O Poder e o Incesto


Chega finalmente às livrarias portuguesas o 2º volume da série “Borgia”, título que reúne o argumentista Alejandro Jodorowsky com o desenhador Milo Manara, numa viagem pela história da mais poderosa família italiana do Renascimento. Um encontro entre o criador chileno e o desenhador italiano que, mais do que uma grande jogada de marketing por parte da editora, que assim reúne um “dream team” de respeito, era tudo o indica, só uma questão de tempo, pois um dos projectos de filme nunca concretizado que Jodorowsky alimentou durante mais tempo foi a adaptação ao cinema de “Viagem a Tulum”, uma BD de Manara escrita por Federico Fellini, em que Jodorowsky e Moebius aparecem como protagonistas.
A fama da família Bórgia é justificada pela importância histórica dos seus membros e pelo papel capital que desempenharam na Itália do Século XVI. Para além de Rodrigo Bórgia, que chegou a Papa, com o nome de Alexandre VI (foi durante o seu Papado que foi assinado o Tratado de Tordesilhas, que dividiu o mundo entre Portugal e Espanha), também o seu filho César, para além de ter sido um dos mecenas de Leonardo Da Vinci, ficou na História pela sua governação exemplar, que lhe valeu ter servido de modelo a Maquiavel para o seu famoso “O Príncipe”.
Isto para já não falar da irmã, a bela Lucrécia Bórgia, cuja fama de assassina implacável, perita no uso dos venenos, se deve muito mais à versão romanceada que Victor Hugo dela apresentou numa peça escrita no século XIX, do que a dados históricos concretos. Mas é o lado mais sombrio dos Bórgia, a forma implacável como souberam alimentar a sua sede de luxúria e poder, que tem inspirado os escritores, de Victor Hugo e Alexandre Dumas, até Mário Puzo e Jodorowsky.
Tal como Mário Puzo (autor de “O Padrinho”) que apresentou os Bórgia como a primeira família mafiosa, no último romance que escreveu, publicado após a sua morte, Jodorowsky também se centra nas intrigas palacianas, traçando um retrato nada lisonjeiro dos príncipes do Renascimento e dos seus jogos de poder. Um retrato da Igreja que prossegue na série "Le Pape Terible", desenhada por Theo e que tem como protagonista o Papa Júlio II, rival e inimigo de Rodrigo Bórgia e, de acordo com Jodorowsky, responsável pela morte deste. Depois de um primeiro volume dedicado às movimentações de bastidores que conduziram à eleição de Rodrigo Bórgia como Papa, este segundo tomo tem Lucrécia Borgia como protagonista, mostrando a sua relação incestuosa com o irmão César, incentivada pelo próprio pai por motivos políticos e o seu casamento de conveniência com Giovanni Sforza.
O argumento de Jodorowsky não é aconselhável a espíritos mais sensíveis, pois há esquartejamentos, tortura, orgias várias, famílias inteiras mortas e um homem devorado por cães. Já Milo Manara, que se supera no rigor da reconstituição histórica (veja-se a imagem do Duomo de Florença na profecia de Savonarola) e no trabalho de cor, consegue dar alguma elegância às cenas de grande violência e crueldade e mantém-se igual a si próprio no erotismo e na sensualidade das suas mulheres ideais, mas tremendamente carnais.
Quando escrevi sobre o primeiro volume da série, terminei o meu texto assim: “e agora, resta-nos esperar que o 2º volume, que já saiu em França, não tarde muito a chegar a Portugal…”. Quatro anos depois, eis que a Asa lança finalmente o 2º volume. Façamos votos para que não seja necessário esperar mais quatro anos pela publicação do 3º volume …
(“Bórgia 2: O Poder e o Incesto”, de Alejandro Jodorowsky e Milo Manara, Edições Asa, 54 pags, 16,00 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 10/04/2010

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