terça-feira, 18 de outubro de 2011

Bilal revisita Shakespeare

Pouco mais de um ano depois de “Animal’Z”, Bilal regressa ao universo pós-apocaliptico do álbum anterior, com “Júlia & Roem”, uma revisitação futurista do “Romeu e Julieta”, de Shakespeare.
Tal como o próprio Bilal referiu numa entrevista, aquando da saída de “Animal’Z”, estes dois últimos álbuns representam uma ruptura com a sua obra anterior. “Uma ruptura narrativa -um one-shot, uma história num único álbum de perto de 100 páginas- mas também gráfica: preto e branco, em vez de pintura, o desenho em estado puro, realçado por ligeiros toques de cor, um traço mais rápido, mais enérgico.”
Ou seja, temos um Bilal longe do fantástico trabalho de cor a que nos habituou, optando por explorar o traço de forma livre, num trabalho executado a grafite e pastel seco, num registo quase monocromático, em que a principal nota de cor é dada pela tonalidade do papel, com o azul dominante de “Animal’Z”, a dar lugar desta vez aos tons castanhos, quebrados por pequenos apontamentos de branco, azul e de vermelho.
Tendo como cenário o mesmo mundo que viu as suas condições climatéricas dramaticamente alteradas pelo “Golpe de Sangue”, uma catástrofe natural que tornou a maior parte do planeta inabitável e a água potável um bem tão raro como precioso, os dois álbuns são igualmente afectados pelo excesso de referências literárias e de citações, neste caso pertencentes à peça de William Shakespeare, que Bilal já tinha tratado numa série de ilustrações soltas.
Mas Shakespeare não é o único a ser citado, pois “Júlia & Roem” está cheio de referências a outros trabalhos de Bilal, em especial no cinema, com o hotel abandonado onde decorre parte da acção, a remeter para “Bunker Palace Hotel, o seu primeiro filme, enquanto que o segundo capítulo abre com uma citação de “Bleu Sang”, o seu último filme.
Resumindo, à parte de um final feliz, e do padre que guia um ferrari electríco e tem tatuados os símbolos de todas as ideologias e religiões, esta adaptação/revisitação do clássico de Shakespeare não traz nada de novo, o mesmo acontecendo no plano gráfico, onde o registo minimalista já perdeu o efeito-surpresa. Um livro só para os incondicionais de Bilal, que não faz esquecer as suas colaborações com Pierre Christin, ou mesmo a “Trilogia Nikopol”.
(“Júlia & Roem”, de Enki Bilal, Edições Asa, 96 pags, 21,90 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As beiras de 15/10/2011

1 comentário:

Nuno Amado disse...

Gostei muito do livro!
A arte é Bilal, com tudo o que isso significa para quem gosta deste autor, a estória... bem não é tão boa quanto a arte, mas penso que também está conseguida aproveitanto o mundo que tinha criado com Anima'Z
:)

Abraço