domingo, 7 de abril de 2013

Daytripper: As Memórias Póstumas de Outro Brás



Já está nos quiosques portugueses, a edição brasileira de Daytripper, o premiado título dos irmãos gémeos Fábio Moon e Gabriel Bá, dois brasileiros nascidos em São Paulo, em 1976, que dão cartas no mercado americano. Senhores de uma apurada técnica de preto e branco e com um universo pessoal extremamente poético, que não passou despercebido a Frank Miller, que os escolheu pessoalmente para participarem na colectânea “Autobiographix” da Dark Horse, o trabalho dos gémeos, que estiveram no Festival de Beja, em 2010, tem chegado a Portugal, via Brasil, através das edições da Devir, da série “10 Pãezinhos”, mas este é o seu primeiro trabalho feito directamente para o mercado americano, a chegar a Portugal.
Conforme refere Gabriel Bá, no Blog da dupla, o processo de internacionalização da obra dos dois gémeos foi acontecendo de modo natural: “ um trabalho chama o outro (no caso, um quadrinho independente que fizemos, o “ROCK'n'ROLL”, chamou a atenção do editor da Image, que nos colocou em contato com o Matt Fraction, e desse contato fizemos o “CASANOVA”, que chamou a atenção do Scott Allie, editor da Dark Horse, que nos colocou em contato com o Gerard Way, e daí veio o “Umbrella Academy”, que foi o primeiro trabalho de Quadrinhos que pagava nossas contas).”

Mas a melhor maneira de descobrir o universo de Gabriel Bá e Fábio Moon, para além das edições brasileiras de “10 Pãezinhos” que a Devir distribuiu em Portugal (“Fanzine”, “Crítica” e “Mesa para Dois”) é através deste “Daytripper”, uma série da Vertigo, publicada originalmente em 10 capítulos, que este volume recolhe. Definida muito simplesmente pelos seus autores como “uma história sobre a vida”, Cada capítulo de “Daytripper” incide sobre um momento específico, um dia, da vida de Brás de Oliva Domingos, o filho de um escritor famoso que ser ele próprio também escritor, personagem vagamente inspirada no músico e escritor Chico Buarque, e sobre a forma como as escolhas que faz podem modificar a sua vida, e a sua morte. E a morte é um elemento muito importante nesta história, não só porque, como diz uma das personagens: “a morte é parte da vida”, e o próprio Brás, um escritor que “queria escrever sobre a vida”, ganha a vida a escrever obituários para um jornal, ou seja a escrever “sobre a morte”, mas principalmente, porque cada um dos capítulos termina com a morte de Brás de Oliva, num toque de realismo mágico, que mostra os diferentes caminhos (e finais) que a sua vida podia ter tido.
Intimista e surpreendente, Daytripper mostra a dupla ao seu melhor nível, numa história profundamente brasileira nos cenários e nas personagens, mas que lida com questões universais, como a vida, a morte e as escolhas que se fazem. Ao contrário de outras duplas de autores, em que há uma divisão clara entre desenhador e argumentista, Moon e Bá tanto escrevem, como desenham. Neste caso, a história foi escrita a meias e o desenho entregue a Fábio Moon, enquanto Gabriel Bá se encarregou das capas, sendo o americano Dave Stewart, colaborador habitual de Mignola, o responsável pela cor. Numa entrevista sobre as influências literárias por trás de “Daytripper”, a dupla fala de Jorge Amado, Will Eisner, Fernando Pessoa, João Guimarães Rosa e Machado de Assis. De todas estas influências, a de Machado de Assis, escritor brasileiro do século XIX, contemporâneo do nosso Eça de Queirós, é a mais evidente e a mais constante em toda a obra da dupla, que adaptou à BD o conto “O Alienista”, de Machado de Assis. Não só Brás, o protagonista de “Daytripper” tem o mesmo nome que outro Brás, o das “Memórias Póstumas de Brás de Cubas”, um dos mais célebres romances de Assis, mas também pela forma como termina cada capítulo, “Daytripper” podia perfeitamente ter como sub-título, As “Memórias Póstumas de Brás de Oliva Domingos”. Daí, o título que escolhi para este texto… >br> Trata-se, como já deverão ter percebido, de um livro excelente, de leitura imprescindível, que tem arrebatado prémios um pouco por todo o lado, com destaque para os Eisners, na San Diego Comic Con. A edição da Panini, que já está nos quiosques nacionais, tem ainda a vantagem do preço extremamente convidativo, de 12 Euros, para um livro de mais de 250 páginas a cores, bem impresso, em bom papel.
(“Daytripper”, de Fábio Moon e Gabriel Bá, Panini Books, 258 pags,12 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 6 de Abril de 2013

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