domingo, 8 de março de 2015

75 Anos de Batman 4 - Batman: O regresso do Cavaleiro das Trevas I


No penúltimo editorial que escrevi para a colecção 75 Anos do Batman tive o azar de ver o meu nome trocado e, a verdade, é que, embora, tenha sido eu a escrever o editorial deste volume, o texto acabou por sair assinado pelo Luís Salvado, que escreveu, isso sim, o editorial do volume seguinte. Não foi a primeira vez que isto me aconteceu, pois na primeira colecção que fizemos com a Panini para o Correio da Manhã, Os Clássicos da Banda Desenhada,  os textos que escrevi para o volume dedicado a Corto Maltese, saiu assinado em nome de João Miguel LAMERASI, em vez de João Miguel Lameiras. Feita a correcção, aqui fica o meu editorial para o 1º volume do Regresso do Cavaleiro das Trevas, a obra-prima de Frank Miller.



O ÚLTIMO COMBATE DE BATMAN

Se fizermos uma lista das mais importantes histórias do Batman ao longo dos 75 anos da vida do personagem, a história que vão poder ler em seguida, estará certamente no topo dessa lista.
Embora ainda sem o estatuto de superestrela que conquistaria nos anos seguintes, Frank Miller, em meados da década de 80, era já um autor influente graças ao seu trabalho na série Daredevil, que abandonou para a aproveitar a total liberdade concedida pela DC e criar Ronin, uma mini-série inovadora, misturando ficção científica e histórias de samurais que, por estar claramente à frente do seu tempo, não teve o acolhimento imediato que Miller esperava. O menor sucesso comercial de Ronin na altura em que foi lançado, não impediu a editora de continuar a apostar no evidente talento de Miller, não hesitando em entregar-lhe a sua jóia da coroa, ao dar-lhe a oportunidade de criar a sua versão do Batman, personagem que Miller já tinha desenhado uma vez em 1980, em Wanted Santa Claus - Dead ir Alive, uma história curta de Natal - escrita por Denny O'Neil que curiosamente seria um dos editores do Regresso do Cavaleiro das Trevas - que poderão ler no último volume desta colecção.
Originalmente publicada numa mini-série de quatro episódios, em 1986 (o mesmo ano em que foram publicados Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons e Maus de Art Spiegelmann, dois outros títulos fundamentais da história da BD) o extraordinário sucesso desta obra trouxe a Banda Desenhada para as primeiras páginas dos jornais e revistas (com Frank Miller a aparecer como capa da revista Roling Stone) ao mesmo tempo que ajudou a introduzir o formato graphic novel (edições mais luxuosas, impressas em excelente papel e com uma capa mais grossa do que o habitual nos comics) no mercado americano, e ainda abriu caminho para os filmes de Batman realizados por Tim Burton.
O Regresso do Cavaleiro das Trevas é uma história crepuscular que apresenta um Batman envelhecido, que interrompe a sua reforma, para lutar pela sobrevivência num futuro distópico, depois de ter sido obrigado a sair do seu torpor pelo aparecimento dos Mutantes, um novo gang urbano particularmente violento. Último super-herói num mundo violento, onde já não há lugar para super-heróis, o regresso ao activo do Cavaleiro das Trevas vai agitar profundamente a sociedade, incentivando o regresso dos seus principais adversários, que Miller apresenta como reflexos distorcidos do próprio Batman. O pulsar desta sociedade futura cujo status quo o regresso de Batman vem perturbar, é-nos dado de forma magistral através dos omnipresentes ecrãs de televisão, que pontuam a acção e nos transmitem informação, funcionando como o coro das tragédias gregas, ao mesmo tempo que traduzem a óbvia crítica de Frank Miller à cada vez maior mediatização da sociedade do seu tempo e à visão redutora e simplificada que a TV transmite da realidade. Uma análise que, quase três décadas passadas sobre a publicação original da história, não só não perdeu actualidade, como assume cada vez maior pertinência.
Apesar de ter resistido muito bem ao tempo, como verdadeiro clássico que é, O Regresso do Cavaleiro das Trevas é uma história que, tal como o Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons, reflecte claramente o zeitgeist, o espírito da época em que foi criada, mesmo que a acção decorra num futuro próximo. Como o próprio Miller refere: "foi em 1985 que eu comecei a trabalhar nisto [O Regresso Do Cavaleiro das Trevas] e pensei, "que tipo de mundo será suficientemente assustador para o Batman?" Então olhei pela janela". E a verdade é que a Gotham City de Batman está bastante próxima da Nova Iorque dos anos 80, que Miller tinha recentemente trocado pela Califórnia, depois de ser assaltado pela terceira vez, e o clima político vigente é o da Guerra Fria que a política da administração Reagan veio reacender.
Contando com a arte-final de Klaus Janson, seu colaborador desde os tempos da revista Daredevil e com as cores de Lynn Varley, Miller consegue dar uma dimensão épica ao seu desenho, perfeitamente adequado a um herói poderoso e larger than life como é o Batman. Mas, apesar do resultado ser espectacular em termos visuais, o desenho não é ainda assim o ponto mais forte de Frank Miller que, apesar de ser um grande desenhador, é um óptimo escritor e sobretudo um extraordinário narrador.
Um bom exemplo, bem demonstrativo do talento narrativo de Frank Miller e do seu completo domínio dos mecanismos da linguagem da BD, é toda a sequência inicial, em que Bruce Wayne recorda o assassinato dos seus pais enquanto faz zapping na TV, ou a conversa entre Superman e o Presidente americano na página 28, do capítulo 2, que, pela sua extraordinária simplicidade e eficácia, merece uma análise mais detalhada:
Na primeira imagem da dita página, vemos a Casa Branca através dos portões vigiados por um guarda armado, enquanto que os balões de diálogo nos informam que, no seu interior, o Presidente conversa com alguém. Uma conversa que prossegue sempre fora de campo e a que assistimos sem nunca ver os interlocutores, pois a imagem é ocupada por uma bandeira americana tremulando ao vento, que através de um efeito de zoom, vai ficando cada vez mais próxima até que os seus contornos se fundem gradualmente no símbolo do Super-Homem. A força destes dois ícones imediatamente reconhecíveis (a bandeira americana e o S do Super-Homem) permitem-nos identificar facilmente a pessoa com quem o Presidente estava a falar, mesmo sem a ver, ao mesmo tempo que nos transmite de uma forma extremamente eficaz a relação entre o Super-Homem e o governo americano, com o Homem de Aço a ser retratado como um homem de mão da Casa Branca, aspecto que Miller desenvolve no segundo volume desta obra notável.

E o confronto entre o Homem de Aço e o Cavaleiro das Trevas, que, a julgar pelo primeiro teaser, serviu de principal fonte de inspiração ao tão aguardado filme Batman V Superman: Dawn of Justice, de Zack Snyder, tal como o inevitável regresso para um combate final, de um velho e carismático inimigo, vão estar em foco no volume final desta história incontornável, cujo desfecho poderão ler já na próxima semana.

Sem comentários: